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Carvão

Outubro 05, 2019

Fernando Zocca

carvão.jpg

 

Esperando ansiosamente, durante dias seguidos, pelo churrasco do fim de semana, Célio Justinho, logo depois que lhe nasceu a filha, buscava também, ardentemente, por um nome legal pra recém-nada.

Quando Luisa Fernanda, embalando a recém-nascida, entrou de repente, na área do quintal, onde estava Célio, que naquela manhã de domingo já acendia a churrasqueira, dizendo “tai chegou o final de semana”, Célio “capturou” a ideia: sim, sua filha se chamaria Taíssa.

Lembrando da vintena de pessoas que apareciam frequentemente na sua média residência, objetivando saborear as carnes assadas, sobre o carvão em brasa, Célio quis saber:

- Será que vem muita gente?

Luisa caminhando pelo entorno da piscina, prestando mais atenção à sucção do seio que a garota fazia, aleatoriamente respondeu:

- Ah, com certeza, os mesmos mortos de fome, pinguços e irresponsáveis de sempre, não deixarão de aparecer.

Num susto desconfortável, resultou em Célio, absorto com a ardência do carvão, o soar da campanhinha da porta frontal.

- Vai ver quem é – gritou Luisa para a velha empregada Lurdes Ton Inn que varria lentamente o chão da sala.

A funcionária aproximou-se da porta de entrada e antes mesmo de abri-la ouviu o ruído de um alarme que zunia insistentemente na vizinhança.

- Surpresa! – disseram em uníssono Dani Arruela e Donizete Pimenta Aarder logo que viram a face da empregada pela porta semiaberta.

Quando a já idosa Lurdes Ton Inn viu as duas figuras lembrou-se dos seus antieméticos.

“Minha Nossa Senhora, vai ser mais um final de semana daqueles” – pensou ela.

- E aí, gatona? Vai ter maminha, chuleta e coxão duro hoje? – quis saber Pimenta entrando porta adentro.   

- O Célio está lá no fundo do quintal queimando o carvão – respondeu a Ton Inn fechando a porta depois que Arruela entrou.

- E aí, seu Célio? Tem carne boa pra fome nossa, de míseros mulambos? – indagou esfuziante o Pimenta Aarder.

- Se assentem – respondeu Célio apontando cadeiras ao redor das mesas pequenas dispostas ao lado da piscina.

Antes mesmo que pudessem iniciar uma conversação a campanhinha soou novamente.

E lá se foi Lurdes Ton Inn, balançando a pança, ver quem era. A velha senhora não esboçou surpresa quando, de esguelha, viu que eram Zé Laburka e Delsinho Espiroqueta. De mãos dadas eles esperavam a abertura completa da porta.

- A senhora não repare que estou com uma dor terrível no nervo “asiatico”, aqui no lombo. Por isso uso essa espécie de colete – informou Laburka adentrando na sala. Ele puxava pela mão esquerda Delsinho que, disfarçadamente tentava assentar os cabelos crespos.

- Ai, não imagino que vou comer carne de novo. Ai que glória! – exclamava, aos sussurros, o Delsinho enquanto caminhava célere em direção ao quintal.

- Não gostaria, e nem vou dizer, é claro, que chegou quem não precisava vir – murmurou Célio quando viu os dois adentrando na área da piscina.

A dupla chegou-se perto do anfitrião que com um espeto açulava o carvão em brasa. Laburka enlaçou com seu braço direito o pescoço de Delsinho.

- Ai, Zé... Pelo amor... Esse sovaco peludo... Faz o favor... – queixou-se Espiroqueta esquivando-se.

- Mas me diga lá seu Zé: é verdade que o fim do mundo está acabando? - brincou Célio ao mesmo tempo em que, com um gomo inteiro de linguiça de porco, preso na ponta do espeto, oferecia aos visitantes.

Luiza Fernanda, que embalava a neném, aproximou-se do pessoal reunido e que já degustava as carnes assadas perguntou:

- Dani, é verdade que seu marido, esse Donizete Pimenta fez um curso de flanelinha espiritual?

- É verdade, bem – respondeu Arruela – é um curso à distância que objetiva o controle da mente. As abelhas do meu quarteirão tentam, durante, horas seguidas, dias, semanas e meses, controlar o ziriguidum do entorno. Mas, na maioria das vezes, os bombeiros aparecem e levam os enxames pra longe.

- Olha pelo que eu sei esses insetos não têm sossego, não descansam nunca, estão sempre alerta, por terem muito medo, receio de perder algo, de serem atacados ou prejudicados por alguém. Os psicólogos lá do lar dos velhinhos, onde costumo passar meus finais de semana, e férias, dizem que essa inquietação é muito própria de quem faz as coisas erradas, tipo lograr, furtar ou roubar as pessoas. Eu conheci um moço que antes de se casar começou a construir uma casa no quintal da mulher que seria a sua sogra. Só que apareceu o fiscal da prefeitura e autuou o jovem dizendo que aquele tipo de construção estava proibido. Entretanto o sujeito, diante dos olhares, da expectativa, da futura esposa e dos sogros, resolveu continuar a construção, mesmo sabendo que estava tudo errado e que teria um prejuízo material enorme e uma vergonha insuportável, se a prefeitura mandasse demolir tudo depois que a habitação estivesse pronta. O fato é que a situação de estresse foi tão intensa que o sujeito, mesmo depois de casado e morando naquele imóvel ilegal, desenvolveu um estado de alerta, de vigilância eterna tais, que moldou o modo de ser das demais pessoas e dos filhos que nasceram daquela união. Então a desordem, a litigância, o desassossego, teriam origem na própria inquietação do fundador daquela família – discursou abraçada com sua vassoura e com a devida ênfase a experiente Lurdes Ton Inn sob os olhares embasbacados dos convivas.

As horas passaram céleres, vieram o meio-dia, as 13 horas, as 15, e as 16:30; quando o Flamengo e o Grêmio de Porto Alegre entraram em campo, no Maracanã, naquela bela tarde de domingo, tudo  cessou repentinamente.   

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